sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Tatuagem...


Tatuámos juntos a passagem do tempo e o acerto dos nossos corpos. Lembras-te?
Sempre preferiste que a minha tatuagem fosse maior do que a tua. Que eu tatuasse o teu nome, como sinal de pertença. Sempre me quiseste mostrar como um troféu. O teu troféu, a maior das tuas condecoderações, o topo do pódio.
Eu deixei que me tatuasses o corpo e os olhares, as mãos dadas e as alianças nos dedos. Eu....apenas eu que nem asas me permitiste tatuar porque temias que a tinta tornasse audível o restolhar das minhas penas e voasse para longe de ti.
Tatuei-te a ti no meu corpo, os meus passos fundiram-se nos teus e apenas a tatuagem do teu nome me permitias ser visível.
Tu nunca foste a tatuada, nunca fizeste do teu corpo altares de mim. As tuas tatuagens sempre foram menos profundas no sentimento. Do meu nome tatuaste outro. As tuas tatuagens, aliás, as minhas tatuagens em ti sempre foram tão mais fáceis de apagar.

Walter

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Reflexo...


Bastou um olhar ao espelho. Percebi que, aos teus olhos, todos os defeitos que me estavam inerentes, não passavam disso mesmo. Um enviesamento que pretendias que se mantivesse aos olhos dos outros. Talvez assim conseguisses sair vitoriosa. Só assim.
Guiaste-te pelo jogo sujo que tão bem controlas. Usaste os planos que te havia mostrado e que iria colocar em prática. No teu ar exuberante apresentaste-os como sendo teus. Mais uma vez saíste triunfante ignorando a minha existência.
Recusas ver quem eu sou. Evitas manter contacto visual comigo. Temes contemplar-me. Olha para mim… Afinal não passo do teu reflexo e de alguém em quem depositaste as tuas próprias imperfeições. É tão mais fácil lidares com isso assim, não é?
Draco

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Jogo de cartas...

Baralhaste as cartas e distribuíste-as por todos os jogadores. Os pares eram óbvios e cedo assumi que jogávamos juntos, pelo que tomei o meu lugar à tua frente.
Entre jogadas enchias os copos com o teu melhor vinho e relembravas os sinais que partilhávamos e que eu julgava secretos. Pequenas subtilezas como o roçar da tua perna na minha a pedir copas, o humedecer dos lábios a pedir paus, o pousar da tua mão sobre a mesa a pedir espadas e o sorver de um cigarro a pedir ouros. Nunca percebi muito bem porque escasseavam os trunfos na minha mão sempre que davas cartas. Estranho acaso esse que derivava das tuas mãos e que ocorria por mais vezes que eu baralhasse e partisse as cartas. E tu sempre te mostraste tão surpreendida.
Enchias o meu copo e entre cigarros e vazas perdidas foste subindo a aposta. Tu dizias-me que tínhamos que arriscar mais e, por isso, decidiste apostar o que ainda nos pertencia. O encontro dos nossos corpos e os momentos a dois. Vaza por vaza fui assistindo ao teu desperdício de pontos. Vaza a vaza os teus sinais foram dando lugar a uma ausência subtil e a uma derrota anunciada e por tua iniciativa e tu sorrias.
Nas últimas jogadas e quando todas as cartas estavam na mesa só então percebi que há muito tempo que jogavas contra mim.

Walter

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Piano...


Levada pela saudade de ti vagueio pela casa, ausente em mim e apenas com a tua presença em mim… no meu pensamento. Sou levada até à divisão da casa que silenciosamente selámos. Deparo-me a rodar a maçaneta de uma porta que esqueceu o sentir do meu toque, ao contrário da minha memória do teu toque em mim… O chão desta divisão mostra-se ausente de vestígios da minha e da tua passagem, vincado apenas pela inexistência do nós. A um canto, o piano, o único móvel da divisão… encontra-se coberto pelo lençol branco, aquele que ambos colocámos… tal como na nossa relação. No canto que tantas vezes ecoou a nossa música, aquela que ia muito além das notas que o piano gemia, música essa que nos envolvia, que nos enredava em notas que apenas nós sabíamos ouvir… em partituras nunca antes escritas e que um dia silenciámos… Hoje apenas o eco do silêncio se faz ouvir nesta divisão. Retiro o lençol que cobre o que um dia estava a descoberto, tal como o que sentíamos um pelo outro… Sento-me no banco e acaricio as teclas do piano como um dia tu me acaricias-te… Os meus dedos começam a tocar a medo a música que me chega de tempos que silenciámos… Nesta envolvência da melodia com os meus sentimentos, sinto as tuas mãos a guiarem as minhas sobre as teclas do piano… A cada tecla que pressiono, o teu toque em mim torna-se mais cálido… Sinto-te, a tua presença junto de mim… Sinto a tua respiração no meu pescoço enquanto guias as minhas mãos… Deixo-me enlevar e a música que criamos vai-nos envolvendo e nós nela… Tu deixaste de estar apenas na minha memória e quando a música termina o meu olhar depara-se com o teu… Também tu hoje te sentiste ausente em ti e também tu hoje apenas me sentias em ti… Não dei pela tua chegada… Hoje ambos sentimos que o lençol branco não mais tinha de permanecer sobre o piano… Hoje ambos sentimos que o silêncio que ecoava pela nossa divisão teria de ser silenciado… Hoje a nossa música teria de voltar a ser tocada pelas nossas mãos…

Jane

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Colar...


Após um longo silêncio de ausência, presenteaste-me com o teu melhor sorriso e um convite para te acompanhar. Pediste-me que usasse o meu melhor vestido porque a ocasião era solene e juntamente com o teu pedido surgiu uma caixa de veludo com um colar de pérolas.
Acedi ao teu pedido e à hora combinada estava pronta com o meu vestido vermelho de cetim que fazia sobressair o colar que me ofereceste. Escolhi este tom de vermelho porque pensei que assim te seria impossível não reparar em mim. Não me beijaste quando te abri a porta.
Deste-me o braço para que todos reparassem que entravas acompanhado, mesmo que o resto da noite não pretendesses fazê-lo. Perante todos foste capaz de dizer o que em privado há muito deixaste de me dizer e sorrias enquanto passeavas as tuas mãos pelas minhas costas despidas de tecido e sobretudo de ti. Deixaste-me só no salão e trocaste-me por conversas circunstanciais.
Elogiaram-me o colar que me tinhas oferecido e só então percebi o quanto ele começou a pesar. Tomei o peso do colar enquanto acariciava cada pérola ironicamente perfeita, juntamente com as quais me ofereceste a tua presença e os sorrisos convencionais perante a presença dos outros e beijos trocados quando alguns olhares pousavam sobre nós. Para ti, sempre fui um adereço para o teu teatro de aparências. O adereço perfeito que se adequava momentânea e exclusivamente ao sabor da tua vontade.
O colar que me ofereceste começou a sufocar-me, tal como a minha cedência ao teu jogo particular. Chamei o teu nome para que me ouvisses e quando me concedeste atenção, levei a mão ao colar e arranquei-o violentamente. Enquanto as pérolas rolaram no soalho, olhei-te nos olhos e afastei-me de ti. Nem nesse momento foste capaz de te dobrar para apanhar as pérolas que nos afastaram.

Walter

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Braço de ferro...


Passo a passo conduzo-me em ti. Lentamente percorro o espaço que te pertence. Permites que espreite por entre as feridas mais profundas que possuis e que insistes em esconder. Deixas que analise cada uma das tuas arestas, ainda que por momentos… Apenas por momentos. Porém, ponderas a tua posição e consentes somente que te observe.
Entramos num jogo em que o meu objectivo inicial seria (re)conhecer-te. Não permites que o alcance. À última da hora reformulaste as regras do jogo que tinha sido construído pelos dois. Por imposição tua fui obrigado a submeter-me a ti. Por decisão minha não mais me tens em ti.
Draco

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Feitiços...

Há muito que os meus feitiços te prendem e nunca soubeste precisar há quanto tempo este desafio começou. Nunca te disse que encontrei os velhos livros de feitiçaria e que os li às escondidas nem tão pouco te disse que parti a tua varinha e que sabotei todos os teus pequenos truques. Sempre ouvi dizer que no amor e na guerra vale tudo e tu sabias que eu nunca gostei de perder. E deixa-me dizer-te que desta vez não será diferente.
Tenciono fazer-te tropeçar nos degraus de escuridão e de enganos que intencionalmente deixarei no teu caminho e esconder-me-ei nas passagens secretas das minhas intenções. Vou sorrir-te enquanto te prendo mais e mais e vou vestir-me de acaso quando invadir os teus lugares e descobrires a minha presença em ti. Acendo velas e esconjuro magia negra entre incensos e espectros para te envolver e enredar na minha teia traiçoeira e aconchegante, onde disfarço as minhas verdadeiras intenções de sorrisos. Afinal eu sempre fui aquele que aprendeu a mover-se por entre sombras e fingimentos e não penses que vou retroceder só porque já estás derrotada. Não vou descansar enquanto não tomar de assalto a tua respiração, o teu olhar e a tua vida para mim.
Intencionalmente, vou esquecer-me de te dizer que sei de cor os livros de feitiços que leste e que fui eu que os deixei ocasionalmente à tua mercê. Vou deixar as páginas marcadas onde armadilho e comprometo todas as tuas tentativas de contra-atacar. Vou sorrir e fingir que desconheço que o jogo não é justo à partida e se me acusares eu apenas digo que, ao contrário de ti, eu sei escolher as minhas armas, porém, apenas te vais aperceber tarde demais do meu domínio, como se fosses uma delicada borboleta enredada na minha teia, mas prometo que não vou prolongar demasiado o teu sofrimento… ou talvez prolongue para te ver debater-te inutilmente.
Aceito o teu desafio, claro que aceito. Vais ser a primeira a tombar, os meus feitiços são demasiado fortes para que os possas suportar. Apenas tu não o consegues ver. Esta guerra já tem vencedor. É uma questão de tempo para fazer ti minha refém.

Walter

Socorro-me dos meus dons para impedir que os teus se sobreponham aos meus. Recorro aos feitiços para conseguir permanecer em competição contigo… Ambos jogamos um jogo sujo… Ambos tentamos saquear as fórmulas dos novos feitiços um do outro, com medo que os antídotos nos sejam desconhecidos. Deixámos de ser cuidadosos e recorremos à magia a cada presença e ausência de nós… Relegamos tudo o resto e elegemos os feitiços como a única forma de sobrevivência, para a minha existência em ti e a tua em mim. A nossa obsessão começa a deixar transparecer as minhas mais ocultas intenções, aquelas que temo que tal como as fórmulas dos meus feitiços sejam descobertas e muito dos mistérios que disfarcei na envolvência dos sorrisos e afectos começam agora a dissiparem-se por entre as brumas cerradas que teimava que me envolvessem.
Comecei a alterar as fórmulas sem que tu percebesses e dei por terminado o jogo para mim. Os teus feitiços estavam a tomar efeito em mim, pareciam entranharem-se nos locais de mais difícil acesso. Deixei de conseguir controlar o efeito em mim e os meus começaram a tornar-se desfalecidos de mais em ti. De alguma forma foste conseguindo os antídotos para os feitiços que te lançava e foste ganhando espaço nas minhas brumas, que já a tua passagem se dissipavam, deixando o caminho até mim límpido de mais.
Comecei a perceber que os teus feitiços se estavam a tornar mais perigosos e desconhecidos, que as brumas que te envolviam te acompanhavam e se tornavam mais cerradas e negras, a tua aura andava envolta em mistério… nem mesmo o meu dom da visão conseguia afastar um pequeno véu que fosse, com a esperança de te antever. Deixei de te falar dos meus feitiços e procurava-te apenas para falar dos teus… precisava encontrar o antídoto do encantamento que me lançaste… precisava de me libertar de ti.

Jane

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Da janela...


Ainda me recordo de ter visto que a janela estava aberta e hoje tenho a certeza de que tu também a viste. Estava aberta, mas não o suficiente para me perturbar. Nunca o suficiente para te perturbar. E assim seguimos em indiferença, afinal para nós era apenas e só uma janela.
Neste quarto que um dia foi nosso ainda se respira luxúria e desejos carnais, ainda te respiro quando fecho os olhos e te vejo chegar a mim. Ainda oiço os teus passos sobre o meu silêncio, ainda sinto o teu toque quando a noite tinha laivos de entrega e nos prendia em partilhas de cigarros, a nossa breve reconciliação com a finitude do acto em si e com a crueza dos nossos modos de sentir.
Nenhum de nós confessou quem deixou a janela aberta. Talvez tenha sido eu. Talvez tenhas sido tu. O teu lado da cama ainda sente a falta do teu corpo e eu neste momento ainda procuro encontrar o teu cheiro e o som das cores com que pintavas o encontro dos nossos corpos. Ainda procuro o teu cheiro no meu corpo, aquele aroma de proximidade e de suor com que me impregnavas enquanto fomos um só corpo, enquanto te olhava nos olhos e bebia o néctar da comunhão pelos teus lábios. E hoje respiro apenas o cheiro que a tua ausência provoca em mim. Esse cheiro que se mistura com o ar saturado de cigarros solitários.
Afinal a janela esteve aberta tempo demais para nós os dois e nenhum de nós pareceu reparar que enquanto esteve aberta tudo o que um dia foi nosso se desfez. O nós deixou de existir e deu lugar a um eu e a um tu diferenciados. E não houve surpresa, apenas constatações. Cruzaste a ombreira da porta, voltaste-te para mim e disseste-me para eu fechar a janela.

Walter

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Vazio em mim

Ao ver-te assim de rosto escondido e olhar fixante apenas pensava que sonhava… era um sonho por demais impossível. O teu corpo dançava como uma serpente, entrelaçando as vestes reduzidas e ousadas que vestias… eras-me dada a conhecer como uma deusa… inatingível. Ridículo, não? Mas na verdade era assim que pensava e sentia perante tamanha elegância e graciosidade. De aparência frágil, a tua face foi-se dando a conhecer… beleza, sensualidade e ingenuidade eram as palavras de ordem… como poderia ser aquela imagem tão real se se tratava apenas de um mero sonho? No entanto, na minha mente não era só isso… eras tu, perfeita, deslumbrante e inteiramente minha. Sem me dar conta deslizavas sobre mim… começaste a dançar só para mim… eras minha… nem que fosse no meu pensamento. A dúvida pairava e assolava-me… como é que alguém como tu iria sequer olhar para mim? Eu era apenas um boémio que anseava por um corpo esbelto e uma cama para repousar este corpo envelhecido pela vida… vida que passara por mim sem me aperceber. Teria sido eu um refém desta vida cinzenta ou teria escolhido esta vida por pensar que teria mais cor? Já tu… eras esbelta… hum… o teu corpo desenhado, esculpido ao mais ínfimo pormenor, nele não havia lugar a arestas por limar ou retoques finais… eras tu… a mulher por quem suspirava… por quem mantinha há anos uma paixão ávida e secreta. Enfim… pouco a pouco fui-me apercebendo que de toda a multidão que te rodeava restava eu, perplexo a teus pés… as tuas formas, o teu jeito, a tua voz desnorteavam-me … da voz nem quero recordar-me… as palavras que me sussurraste ao ouvido com desejo eram ousadas e invulgarmente doces e singelas em ti. Na tentativa de me desprender de ti, olho em volta, há um vazio… um silêncio aterrador, porém ofuscados pela imponência da tua figura… eras tu que davas vida e luz aquele lugar indecente, insípido, até imoral, onde os corpos se rendiam delicadamente ao prazer.

Pumpkin

Palácio...


Acreditas viver num palácio abandonado... Um palácio onde as colossais janelas se encontram decoradas com pesados cortinados de um vermelho velho que não permitem a entrada do sol… Um palácio onde as salas permanecem vazias de vida, onde o pó se vai acumulando sobre os ornamentados móveis que decoram o teu palácio… Os salões permanecem na completa penumbra. Há muito que os bailes deixaram de existir. Agora apenas a tua presença silenciosa se passeia por ele, recordando momentos que não te pertencem, recordando bailes que nunca deste… alimentando-se das memórias que o habitam… À tua passagem os castiçais ganham vida, numa tentativa de iluminar o que um dia já brilhou, mas a sua luz é muito ténue e logo à tua passagem te devolve as sombras…
A porta do palácio que um dia já recebeu reis e rainhas, hoje apenas se abre à minha anunciada chegada… Recebes-me nas tuas pesadas vestes… Pegas-me pela mão e levas-me numa visita guiada pelo teu palácio… Contas-me histórias que dizes ter vivido mas que sei serem apenas memórias de outrens… Oculto-te que já conheço essas mesmas histórias pelo prazer de saber que é apenas a mim que pretendes desvendar as memórias do teu palácio… Percorremos os corredores infinitos em portas que ocultam histórias que me vais revelando aos poucos para garantires o meu regresso… No salão de baile concedes-me uma dança, ao som de uma música que só nós conseguimos ouvir e nesse momento o salão parece ganhar vida, os castiçais iluminam-se, as cores retornam ao seu tom original… É neste momento que deixas de lado todos os pactos que herdaste deste palácio, pactos que já ninguém te impõe, que tais como o palácio que habitas, se encontram abandonados e apenas na tua memória ainda regem… Conduzes-me à porta do teu palácio e beijas-me com a promessa do meu regresso… Com a minha ausência, retomas o teu arrastar silencioso pelo teu palácio e com ele de novo o peso dos pactos que parecem ser espelhados no peso das vestes que sustentas...

Jane

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Máscara...

Este ano entrei no salão com uma fantasia diferente, tão diferente que nem tu me reconheceste. Quando os meus olhos te descobriram estavas sentada no sofá, acariciando o rebordo de um copo e distribuindo sorrisos venenosos e carícias a todos os que te rodeavam. Foi muito fácil reconhecer neles a minha própria ingenuidade e os fios com que os enredavas nessa tua teia de aproximações.
Observei como o teu vestido preto acentuava o teu corpo e como os teus lábios pintados de vermelho espelhavam a tua pose predadora. Afinal, esse era o teu melhor disfarce, aquele que vestias o ano inteiro na sua sucessão de conquistas e de dias e em que eu fui apenas mais um dia a juntar ao teu calendário e mais uma presença a juntar ao teu corpo.
Delicadamente escolheste um parceiro, ofereceste-lhe a mão para que te convidasse para dançar e ainda fingiste recusar o primeiro convite, apenas para o iludires nesse teu jogo de afectos predatórios. Tu nunca foste a presa e apenas agora o percebo.
Rodopiaram no salão com todos os olhares postos sobre ti e escondeste o teu sorriso no peito do teu parceiro para que o teu egocentrismo fosse invisível aos olhos dos outros. Apenas eu o consegui notar porque apenas eu conhecia o que essa tua máscara ocultava.
Enquanto o teu corpo se insinuava e fingia procurar abrigo no teu parceiro, prolongavas a tua presença em todos aqueles que deixavas partilhar o teu momento. Sempre gostaste de plateia para te admirar. Aliás, alimentavas-te dela embora nunca o tivesses reconhecido perante ninguém.
No meio da dança, os teus olhos encontraram os meus e paraste como se eu revelasse a tua nudez, como se eu fosse uma nódoa no teu vestido imaculadamente limpo, como se eu fosse o improviso que pudesse arruinar a tua encenação. Paraste enquanto o teu olhar encontrou o meu e no teu olhar eu vi súplica. O teu parceiro questionou-te num sussurro porque motivo paraste de dançar e tu apenas respondeste quando me viste voltar-te as costas e sair diluído nas sombras. O teu papel é tão difícil de representar e a tua máscara é pesada demais, é incómoda demais. Saio vitorioso por saber o quanto me temes, só não te vou permitir saber que jamais voltarei a mascarar-me de ti.

Walter

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

(In)certeza...


Na estranheza dos sentidos encontro palavras que me fazem sonhar. Tal como os sonhos que todas as noites me tocam, como se fosses tu. Conservo-os comigo. Mantenho-te, assim, bem perto de mim. Os sentimentos brotam a cada segundo. Surge uma multiplicidade de imagens. Detenho uma… O dia em que cruzei o teu olhar e senti que te apoderavas do meu destino. Esse dia em que desvendaste com uma facilidade estonteante os segredos do meu olhar e decifraste o sentido dúbio da incerteza do meu pensamento. Aquele que nem eu entendi. Aquele que em mim se vestia de segredos e em ti se despiu na nudez da rendição.
Draco

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Armadilha...


Surgem dúvidas. Foram tantas as vezes que questionei o que me prendia a ti. Tentei ocultar o significado subjacente às tuas palavras, ao teu toque, à tua imagem. Recusei sentir a corda que me colocaste no pescoço e a venda com que me cobriste os olhos. Era tão mais fácil para ti se assim fosse. Entrei no teu jogo subtil onde só tu ditavas as regras e onde apenas me restava a submissão. Assumiste o teu papel. Encarnaste-o como conseguiste, esquecendo-te, porém, que a tua actuação não passava disso mesmo, de um papel que representavas. Sem notares pisaste o chão que armadilhavas. Caíste no jogo que alimentaste.
As coisas mudaram. Agora quem dita as regras sou eu! E eis que te dou a conhecer a primeira. Quero-te longe!



Draco

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Do corpo...


Chegava como se este espaço fosse seu, como se o conhecesse desde sempre. Afinal conhecia todas as portas desta casa. Conhecia o bater da chuva nas vidraças e os lugares onde o silêncio era insidioso e se fundia e escondia em vícios solitários.
Dirigia os seus passos à sala à procura do fogo que lhe alimentava o corpo e encontrava a lareira apagada. No lugar do fogo encontrava cinza e mesmo assim estendia as mãos para se aquecer. Acendia velas e incensos e no desencontro das sombras deixava-se enfeitiçar pelos aromas inebriantes do desejo. A sala já era sua, geometricamente sua, e não lhe bastou. Procurava mais dele. Sempre procurou mais…demais.
Aproximou-se das janelas e abriu-as de par em par para que ele visse a dança da lua. E como se ela se apropriasse das palavras, disse que o amor dele era como as fases da lua. E que só ele não percebia isso. Disse-lhe que ele foi quarto minguante de amor enquanto se subtraía à paixão e ele, desconcertado pela veracidade do que se negava a reconhecer, recusou segui-la pelo corredor.
Ela desafiava todas as defesas dele e aproximou-se passo a passo olhando-o nos olhos. Depositou na boca dele o sabor das suas palavras com o seu travo a canela e ele destilava a entrega gota a gota apenas por ela, enquanto o seu amor se erguia em lua nova do sentir. Ela concedeu-lhe a sua mão, convidando-o a conhecer novas fases da lua e ele seguiu-a sem olhar para trás. Foram quarto crescente de desejo e chegaram à derradeira divisão. O quarto. E ele sempre soube que ela acabaria por lá chegar
Cruzaram a porta e o tempo e o espaço foram eles. Nada mais que eles, dois corpos desnudados que se reconheciam em luas cheias de fogo e mar. Pertenciam-se mutuamente e naquele instante eram suor, beijos e prazer. O odor dos seus corpos fundia-se sempre que se entregavam à busca do outro e ambos sabiam que já tinham esperado tempo demais.
Ela aconchegou-se no peito dele e num murmúrio disse-lhe “o teu corpo é a tua casa e eu já entrei nela”. Ele afagou-lhe os cabelos, beijou-a lentamente e olhando-a nos olhos respondeu-lhe “Tu sempre pertenceste a este lugar”.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Muro...


Construo um muro de pedra. O muro onde outrora esculpimos as nossas mãos e que traduzia o que sentíamos mutuamente (ou o que dizias sentir). Destruímo-lo com tanta dedicação e empenho, na tentativa de encurtar o espaço que havia entre nós. Os nossos corpos permitiram assim fundir-se num só.
Presentemente reconstruo-o. Talvez assim percebas que as nossas vidas não mais se cruzam e que, para mim, não és mais do que os resquícios das fotos rasgadas e das memórias esquecidas. Aquela barreira que um dia foi ténue, está de momento bem cimentada, para que tenha a certeza que não terei mais os teus passos em mim.
Pisaste o risco! Agora jogas somente desse lado…
Draco

Espinhos...

Hoje é o fim! Declaro o final do meu silêncio prolongado… Assumo, assumo, assumo… sou eu o ser mais frágil… aquele que sangra a cada pequeno golpe… aquele que prossegue pelo caminho cravejado de espinhos… que não encontra o caminho de saída deste bosque onde o amanhacer parece nunca chegar… O meu corpo apresenta-se coberto de arranhões e espinhos alojados na minha carne… que a cada movimento, por mais leve que seja, se entranham acompanhados por uma dor que tenho tentado silenciar… Já não me bastavam os meus espinhos… tinhas de me oferecer uma coroa de espinhos que aceitei silenciosamente colocar sobre a minha cabeça… À minha passagem vais espalhando espinhos teus… aumentando a minha dor… mas que cinicamente vais disfarçando… alegando que procuras o caminho de saída do bosque que se encontra todo ele manchado pelos fios dos meus sangramentos silenciosos. Não dou tempo para que ocorra a cicatrização e recuso-me a permanecer imóvel para não me perfurar mais… Mas também hoje vou deixar de silenciar a dor de cada espinho que me trespassa a pele… A dor que me assola apenas ao ver um leve fio vermelho que vai correndo pela minha pele… A dor do ecoar de cada gota de sangue vivo que vai gotejando o chão coberto de espinhos… A dor que parece que se apoderou daquilo que sou… No final não sou muito mais que dor…
Posso me encontrar em trapos… posso aparentar não passar de um conjunto de feridas e cicatrizes… Sim, um espinho… mas todo o espinho protege algo de delicado… algo que tento proteger de ti e de mim… E hoje, hoje vou continuar a dilacerar-me para tentar impedir que prossigas com a destruição do pouco que resta de mim… e tentar opor-me à minha autodestruição.

Jane

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Alquimias de silêncios...



Entretanto vou conhecendo os silêncios. Misturo-os em solventes universais, filtro-os em soluções e descubro-me noutra revelação de alquimias silenciosas. Todos os silêncios soam de modo diferente agora que sei que a minha noite tem o tamanho da tua.
Já conheço de cor os teus silêncios, também conheço a cor deles, assim como conheço essa tua chuva de prata. Conheço os teus apelos silenciosos e reconheço as palavras que me devolves nesse diálogo amordaçado de sentimentos.
E agora sou eu quem recusa falar, sou eu quem usa o silêncio para diminuir a distância que nos une. Vem ouvir com a tua boca o que tenho para te dizer, vem conhecer as palavras que só assim te direi.

Walter